sexta-feira, 21 de março de 2008

Nota sobre a palavra Imaginação

Ela era bela como poucas. Quando vestia as suas mini-saias escandalosamente pequenas e calçava os sapatos de salto alto pretos, que lhe salientavam os músculos das pernas, parecia uma sereia, ou algo ainda mais sensual. Na rua, a desfilar como se estivesse em cima de um palco para modelos, ela sentia-se como um peixe na água. Os piropos que os homens lhe lançavam não a aborreciam. Muito pelo contrário. O assobio de um velho labrego ou o piropo de um jovem meliante aumentavam-lhe a já elevada confiança em si própria. Não havia mulher mais convencida do que ela. Era impossível. Naquele dia, a observar-se, sentiu-se tão perfeita, mas tão perfeita, que deu um beijo no espelho que tinha à frente dos olhos.

Ele era forte, bonito e inteligente. Escrevera vários livros, um dos quais sobre um filósofo iluminista. Embora não fosse do tipo de se dar a mostrar, era presença assídua nas páginas de jornais e revistas. Dava aulas numa universidade do Estado. Tinha um filho, uma filha, dois gatos e uma mulher que despertava sentimentos de cobiça nos seus amigos. Não tinha dificuldades de relacionamento com mulheres. Elas apareciam-lhe aos grupos de cinco e de seis. As meninas das aulas eram loucas por ele. Prescindiriam de todos os possíveis namorados para poderem passar uma tarde na cama com o professor de Teoria da Cultura.

Ao passar por ele na rua, ela sentiu vontade de o levar para a cama. Mas continuou a andar da mesma forma que andara até àquele momento. Uma mulher não deixa de ser vaidosa só por se sentir subitamente atraída por alguém. Ele, que tinha uma família e uma carreira para manter, também não poderia dar parte fraca na rua, onde algum transeunte o poderia reconhecer e gritar: «Ali vai o fulano X.» Não poderia ser. Abdicaria de bom grado de tudo o que conseguira alcançar na vida para se poder enfiar debaixo dos lençóis com aquela musa, no entanto, decidiu pensar com o cérebro e ignorar a atracção.

Ela era tudo aquilo com que ele sempre sonhara.

Ele era um sonho demasiado perfeito.

O destino condenava-os a não se poderem falar. As convenções proibiam um marido de trair uma esposa. O pudor impedia que um homem e uma mulher se agarrassem no meio da rua, e se despissem como dois animais, e fornicassem como se tivessem uma fome de decénios.

Eles eram feitos um para o outro mas não se falaram. A dez metros de distância, ele virou-se para trás, e viu o rabo dela.

«Abdicaria de tudo…», pensou ele.

«Vem ter comigo…», pensou ela.

Nenhum dos dois ganhou coragem para comunicar com o outro, para trocar umas palavras, para trocar um gesto, uma carícia, um beijo. Todavia, quando se cruzaram, aquilo que sentiram foi perfeito. Por mais vaidade que ela tivesse no corpo, nunca conseguiria alcançar por si própria aquela sensação etérea que ele lhe dera. Nenhum romance dele conseguiria retratar o que os seus olhos haviam visto.

Eles eram feitos um para o outro mas não se falaram.

Se se tivessem tocado, se tivessem entrado em contacto um com o outro, provavelmente, não poderiam nunca dizer que abdicariam disto ou daquilo por causa do amor. Depois de a levar para a cama, ele sentiria falta do apoio da esposa, da pacatez do lar. Ela chegaria à conclusão de que poderia encontrar sexo melhor com outro homem.