sexta-feira, 16 de maio de 2008

Duas almofadas, duas cabeças

Deitado na cama, Adam olhava para o lado sem conseguir ver ninguém. Melhor: ao lado dele, com a cabeça em cima de uma almofada, estava uma mulher. Contudo, com o tempo, essa mulher deixara de representar os seus papéis de esposa, de amiga, de confidente. Tornara-se numa sombra carregada que andava pela casa, que via televisão, que despachava os filhos para a escola, que tinha conversas ocasionais, que lia alguns livros, que folheava uns jornais.

O óbvio: um homem que tenha atravessado grandes períodos de solidão, nunca conseguirá saber o que é ser feliz. A felicidade é muito exigente: não deixa tirar folgas, não permite situações traumáticas, deseja imagens sempre perfeitas. Não se consegue alcançar o sexo dos anjos, o beijo dos deuses, a profissão ideal. E não vale a pena dizer que a felicidade é conseguir viver com todas as imperfeições, uma vez que tudo o que é imperfeito irrita, dá vontade de quebrar. O que é imperfeito não é ultrapassado. Talvez seja por isso que a guerra corre nas veias do bicho humano.

Apesar de tudo, Adam não estava sozinho naquela cama enorme. Havia um corpo, uma voz que se levantava se lhe colocassem questões, duas pernas que se abririam se para isso fossem solicitadas. Se a questão se resumisse àquilo que os olhos conseguem ver, dir-se-ia que na cama de Adam estavam duas pessoas: um macho e uma fêmea. Só que, quando se diz que Adam está sozinho no mundo, não interessa olhar para o lado e encontrar um número, um crânio. Ao lado do homem poderiam estar vinte mulheres deitadas que seria a mesma coisa. A solidão não se cura como certas doenças: quando o escuro se instala no cérebro, de nada vale estar acompanhado, de nada vale tomar um comprimido. A partir de certas alturas, a dor não perdoa.

«Olho para a mulher com a qual casei há cinco anos e não paro de sofrer.»