quinta-feira, 21 de maio de 2009

O real

O sábio aconselha-te a escolheres um bom caminho. Mas escolheste mal, sofres, sentes-te preso ao Inferno. Sacrificaste a tua vida em vão. Não há nada para além dos sonhos, das malditas ilusões. As meninas que passam na rua e que ganham matéria fecal nas pernas e no cabelo. E a vaidade que se torna estúpida, que deixa de fazer sentido quando o fígado escurece com o cancro preto. Põe os óculos e enfrenta o cadáver no funeral. O sonho americano. O homem que cresce a pulso, com trabalho, com esforço, com dedicação. O corpo envelhece. O murro que partia a cara dos inimigos perdeu o vigor. O corpo cai. O sábio diz: segue os melhores caminhos, chegarás longe se os seguires, escolhe uma boa escola, lê os melhores livros, casa-te bem, compra uma boa casa, chegarás longe se seguires as minhas recomendações. O sábio é deveras conhecedor, ai se não é, o mentiroso do sábio. Lê os melhores livros, tira os melhores cursos. Atira-te ao rio. Pega na faca e espeta-a no peito. Isto não vale a pena. És novo? Escuta: não vale a pena. Não há mistérios. Não há a porta do quarto da infância que espera que a abramos um dia. O que há é isto: o nojo na barriga. A gastrite. Submete-te à verdade: as roupas que vestes não te safam da nuvem negra que te come os pulmões. Prosta-te perante as evidências. Vamos no elevador que nos levará ao andar menos um, temos esperança de que ele pare no primeiro andar ou no rés-do-chão, mas sabemos que a máquina parará apenas no menos um. No debaixo do chão. Esgatanha o caixão. As luzes acendem-se ao longe. A esperança. As luzes acendem-se ao longe e logo se apagam. Não foram feitas para durar. Apalpa no escuro. Tenta caminhar sem ver.