quinta-feira, 11 de junho de 2009

A voz do sonho






Cheguei-me ao pé de ti e, muito destemidamente, perguntei: «Queres namorar comigo?» Respondeste: «Quero conhecer-te melhor.» Como não sabia o que querias dizer com isso, nunca mais te falei. Tinha dezasseis anos e achava que a felicidade se comprava em mercearias. Não insisti e arrependi-me. Tinha uma quantidade enorme de borbulhas na cara e sofria de amor. Sempre que passava por ti, baixava a cabeça em sinal de humilhação. Evitava andar por certas ruas com medo de te encontrar. Outras vezes, procurava-te. Observava-te à distância. Passava as noites em branco, esmurrava o colchão, mordia as almofadas. Perguntava por ti a todos os meus conhecidos, esperando que me dissessem: «Ela está à tua espera.»

Passou muito tempo. Volto aos mesmos lugares. A cidade mudou, aderiu à tecnologia. Mas só vejo passado. Continuas em todo o lado. Não tu, o que há de ti na minha imaginação. Se te perguntarem por mim, dirás: «Esqueci-me.» Percebo. As pessoas evoluem. E eu sou doente e obcecado. Tudo é antigo. Os prédios ruíram, foram substituídos por outros. E eu vejo sombras. A sala escura faz-me sonhar.

A voz do sonho: «Vem, faz-me feliz, diz que me queres conhecer melhor. Agora que tudo desapareceu, vamos viver em paz, dar as mãos e fugir. Agarra-me, vem para o mundo que já não existe. O buraco negro. Ocupa o espaço. Confessa que estavas sozinho, que precisavas mais de mim do que de comer. Não conseguiste ser homem, confessa que és uma criança.»