quarta-feira, 8 de julho de 2009

A carta dela

Lembra-te de mim. Sonha comigo. As cartas não me chegam. Já não espero por nada. Deixei de querer saber dos mortos. Adoro-te. Se pudesse, esquecer-te-ia da mesma maneira que esqueci o nome do filme a que assisti anteontem. Recorda-te do dia em que nos conhecemos. Disseste-me que ficaste louco. E agora? Pergunto-te: onde queres que me esconda até regressares dessa estúpida guerra? Leio um dos teus autores preferidos. Excessivamente cru. Em cada palavra encontro a tua voz, a tua perversa necessidade de castigar os outros com a verdade. Isto não acaba assim. Massajo-te a memória. No dia em que nos conhecemos, disse-te que não te livrarias de mim. Fiquei na tua casa. Ajudei-te nos piores momentos. Sobrevivi a nevões e a tempestades tropicais. Nada se compara ao que estou a viver. Todos os dias desabo. Sonho contigo. Sento-me na sanita com uma faca na mão. Encosto o metal às veias. A tentação é enorme. É insuportável ter de recorrer ao passado para te poder tocar. Quando tento ser mais optimista, acabo a falar para uma parede que não me responde. Abro a torneira e deixo correr milhares de lágrimas.