terça-feira, 21 de julho de 2009

A ordem depois do caos

Eu vou começar a rezar. Prometo, meu Deus, abrirei a Bíblia para ler as Tuas palavras. Salvar-me-ei. Custe o que custar, isto a que todos dão o nome de dor passará. Há felicidade no mundo, tem de haver, nem que seja numa ilha longínqua. E eu hei-de encontrá-la. Quebrarei todas as regras para encontrar a tão desejada paz. O abraço da mulher. Chorar de uma vez por todas. Abrir o coração e dizer a todos que estou a sofrer muito, muito, muito. É tudo muito negro e dá nojo não poder olhar para o lado sem ver excrementos. Grito no escuro com a faca na mão e penso no suicídio. Desde que descobri que depois da infância a ideia de infinito acaba no mesmo cinzeiro em que se esborracham as beatas dos cigarros. Já não sei o que é ser pequeno. Acham-me mais velho do que sou. Cresci depressa. As olheiras dão-me o ar da velhice e da tristeza. Preciso tanto de voltar atrás. Ter novamente sete anos e sonhar com uma profissão engraçada: «Quero ser inventor.» O tempo passa, é cruel, e faz-me sentir triste, tão triste que estava capaz de chorar. Eu sei que uma pessoa não se deve vitimizar. Devemos ser fortes, resistir como rochas à intempérie. O capitão é sempre o último a abandonar o navio no naufrágio. Na maior parte das vezes, o capitão deixa-se morrer dentro do navio. Não se foge do perigo, da adversidade. Ir ao fundo com um sorriso de quem sabe que a moral aguenta quando o corpo falece. Voltar atrás. Ter novamente seis aninhos, imaginar um futuro perfeito. Os carros, as mulheres, os nomes dos filhos, casas aqui, casas ali, férias distantes, a fama, a inteligência. Esquecer o fracasso. Recordas-te destas palavras: «Um dia, hei-de ser rico.» Como se isso fosse mais importante do que escapar à dor. Mataria meio mundo se me dissessem que, a partir de amanhã, este aperto no peito desaparecia. Nunca imaginei que a realidade fosse pior do que o mais perturbador dos pesadelos. Não vejo a luz. Esforço-me. Juro que me esforço. Deus, por tudo, ajuda-me, dá-me um conselho.Uma mão caridosa, onde está? Quem ajuda o pobre? Junto os dedos ao nariz e começo: «Pai Nosso.» Ámen. A Salvação não chega e o mar tapa-me o queixo. Os tubarões ao longe. A faca na mão. Cortar os pulsos. Não. Hei-de aprender a rezar e a acreditar que depois do caos aparecerá a ordem.