Sofri muito. Houve dias em que não saí da cama. Nos primeiros tempos, não desligava a televisão. Queria saber tudo o que se passava. Em todos os soldados que morriam via a tua cara. Via as bombas rebentarem e imaginava-te perdido no meio do fumo, a tentar sair do labirinto. Depois, quando me apercebi de que não receberia notícias tuas, desliguei-me do mundo. Fiz a minha vida. Fingi que poderia agir como se nunca tivesse conhecido homens. Li os meus livros. Fui ao cinema. Estudei matemática. Eu, que sempre fui péssima aluna a matemática, dediquei-me a equações. Plantei flores no jardim. Converti-me a uma religião. Rezei imenso. E voltei sempre a ti. Todas as minhas actividades se cruzaram contigo. Na igreja, enquanto esfregava água benta na testa e me benzia, acreditava que o teu destino dependeria das minhas preces. No cinema, procurava finais felizes. Nos livros, encontrava histórias que se assemelhavam à nossa. Nunca me desliguei de ti. A partir de certa altura, comecei a comportar-me como se estivesses em casa. No banho, pedia-te: «Esfrega-me as costas, querido.» No quarto, apelidava-te de desarrumado por teres a roupa fora das gavetas. É verdade, desarrumei a tua roupa para poder falar contigo. A imaginação é fértil, prega-me partidas. Fiz-me passar por louca para não me tornar realmente demente. Dei voltas e voltas para fugir do abismo. Ainda me lembro dos dias que antecederam a tua partida. Falavas tão apaixonadamente sobre o militarismo que parecia que eras casado com a pátria. Implorei-te para que ficasses, mas não me deste ouvidos. Desapareceste. Assustada com a possibilidade de te perder, vomitei inúmeras vezes. Pedi para morrer, assim, sem mais nem menos, morrer, acabar tudo de repente. E agora dizem-me que voltarás. Não sei o que pensar. Gosto de ti, claro. Continuo viva por tua causa. Mas estou confusa. Sinto-me feia, acabada. Chegas como herói. O teu nome apareceu nos jornais. Queres-me? Reformulo. Ainda haverá espaço para nós os dois? Se me pedisses para fazer as malas, fugiria para onde quisesses. Eu e tu num deserto, só os dois, sem vizinhos, sem telefones, sem água, sem comida.