Não é hoje. Uma voz de velho ligou-me dizendo que a tua chegada foi adiada. Perguntei porquê. «Informação confidencial», respondeu-me a voz. Desesperei. A voz ainda me tentou confortar: «Se não for hoje, será amanhã. Ainda esta semana estará com ele.» Quando desliguei o telefone, gritei histericamente. A vida é injusta. A vida é cruel. A vida mete nojo. Que nojo que mete. Fiquei rouca. Deitei-me na cama, mordi uma almofada, atirei o frasco de perfume que acabara de comprar contra a parede. Manchei os lençóis com batom. Se não me tivessem garantido que virias, não teria criado expectativas. Acontece que me disseram que os teus dias de guerra tinham acabado. E reactivei a minha máquina de construir ilusões. É certo que continuam a dizer-me que virás. Deveria estar feliz, mas não estou. Cá dentro, não sei bem onde, há um bicho a roer, a assustar-me com maus presságios. A passagem dos anos não nos ensina muito, no entanto, sei que, quando se tem um pressentimento, o melhor é dar-lhe atenção. Sentimos o mal à distância e, embora o reneguemos, ele acaba por impor-se. Talvez seja tudo imaginação. Os medos. Nos últimos tempos, acordei muitas vezes em pânico por ter sonhado com a tua morte. Pesadelos a mais. Pesadelos que não me ajudaram a ficar sã. Um copo de água ajuda. Os comprimidos. Só dois para dormir. Para sonhar. Para ter pesadelos com a tua morte.