sábado, 10 de outubro de 2009

Diderot aconselhou o poeta de Pondichéry a não escrever

Tenho as gavetas cheias de papéis escritos
poemas e cartas que não cheguei a mandar a Diderot
os poemas escrevi-os num papel barato
não sou capaz de escrever um poema num leque
depois do que Diderot me disse
se quer ouvir dizer que os seus poemas são bons
procure outra pessoa
há sempre quem diga de um poema
que ele é bom
para a seguir lhe mostrar um poema
e ouvir dizer que ele é bom
conhece a expressão do ut des?
em espanhol também há uma expressão para isso
mas agora não me lembro
não mostrei os poemas a outra pessoa
nem eu próprio os leio
porque tenho medo
as cartas estão fechadas e têm selo
escrevi-as num papel nem muito caro nem muito barato
para não constranger Diderot
nunca escrevi cartas de amor
mas costumo pensar que escrevi cartas ridículas
e por ter a mania de pôr o carro à frente dos bois
acho que todas as cartas ridículas são cartas de amor
espero que estes poemas e estas cartas
que não sei porquê guardo
não vão parar a uma vitrine
espero que vão parar às mãos dos trapeiros
porque os trapeiros não são curiosos
já vi um trapeiro acabar de roer um caroço de pêro
sem pensar nos dentes e nos beiços que tinham
roído o que faltava

- Adília Lopes, O Poeta de Pondichéry