Após a leitura de Vidas Escritas, de Javier Marías, o bicho tentou arrumar ideias: William Faulkner era doido por cavalos, só abria cartas que contivessem dinheiro, era taciturno, adorava o silêncio, lia todos os anos D. Quixote; Joseph Conrad era tão distraído que queimava os móveis e as roupas com cigarros, o seu estado natural era uma inquietação que rondava a irritabilidade, usava monóculo e detestava poesia e Dostoiévski; Isak Dinesen (ou Karen Blixen) foi gozada por Arthur Miller por só beber champanhe e comer ostras, renunciou à vida sexual devido a uma sífilis; James Joyce escrevia cartas pornográficas à sua mulher Nora Barnacle («Vens-te enquanto cagas ou masturbas-te até ao fim primeiro e cagas a seguir?»), era pomposo, supersticioso, convencido, taciturno e orgulhoso, embebedava-se até de madrugada; Giuseppe Tomasi di Lampedusa nunca sentiu o que era ser escritor por nunca ter sido publicado em vida, foi um leitor obsessivo, deixou cerca de mil páginas sobre literatura inglesa e francesa; Henry James era corpulento e possuidor de um olhar temível, penetrante, falava com tantos rodeios e parênteses que, em vez de dizer «cão», dizia «uma coisa negra, uma coisa canina...», as suas relações com as mulheres foram pouco mais que inexistentes; Arthur Conan Doyle era autoritário com a família; Robert Louis Stevenson dava-se com criminosos na juventude mas era muito generoso; Ivan Turgeniev sofreu o ódio e o desprezo dos seus compatriotas, que viam nele um ocidentalizado, ateu, que passava demasiado tempo em França, era apaixonado pela cantora Pauline Viardot (conhecida como La Garcia), que não hesitava em humilhá-lo, confiava muito nas pessoas e passava o tempo a ser enganado; Thomas Mann achava-se genial e importante, cada passo que dava era digno de ser registado no seu diário («Irritação intestinal»), olhava para meninos com desejo de dormir com eles; Vladimir Nabokov era pouco dotado para dar aulas (lia-as para dentro), dava opiniões demasiado fortes para o pacato mundo de Nova Inglaterra (ensinou na Cornell University e no Wellesley College), adorava borboletas, detestava Dr. Jivago, Freud e o epiléptico Dostoiévski, sofria de insónias; Rainer Maria Rilke andou com muitas mulheres mas a condessa de Noailles achou-o muito feio; Malcolm Lowry vendia a roupa para comprar álcool; a Madame du Deffand pregava o agnosticismo e participou em várias orgias; Rudyard Kipling não apreciava graçolas, detestava intromissões na sua vida privada, recusava-se a falar sobre a obra dos seus contemporâneos; Arthur Rimbaud deixou de escrever aos 20 anos, não tomava banho, enchia os colchões dos amigos de piolhos, a sua atribulada amizade com Verlaine e Mathilde (mulher deste) acabou com a prisão de Verlaine (por ter perseguido Rimbaud com uma arma); Djuna Barnes era mais elegante do que bela e, apesar de ter Carson McCullers doida por ela, tinha como companheira uma escultora chamada Thelma Wood; Oscar Wilde era um grande conversador, tinha mãos pegajosas e gostava de ir para a cama com gente de ambos os sexos, casou com Constance Lloyd, que lhe deu dois filhos e apanhou sífilis de uma prostituta; Yukio Mishima, fortemente atraído pela morte, organizou um pequeno exército de cem homens, os Tatenokai (Sociedade do Escudo) e, a 25 de Novembro de 1970, acabou por fazer harakiri; Lawrence Sterne fez-se clérigo em Cambridge e, quando morreu, o seu cadáver foi roubado à terra e acabou nas mãos de um médico que ensinava precisamente na mesma universidade.