sábado, 10 de novembro de 2007

Caipira



Não considerando necessária a compra de jornais portugueses, admito que, no meio de uma aldeia, um rapaz habituado à cidade possa sentir falta de um ou outro quiosque. E quem diz quiosque diz livrarias e gente que goste de livros. Mas não está mal. A aldeia tem algo que a cidade nunca terá: descanso. Desde ontem que durmo na mais calma das camas do planeta. Oiço os grilos, bocejo, lavo os dentes, Pai Nosso que estais no céu e ala que se faz tarde. Ainda se lê um bocado de Levantado do Chão. O ambiente de iletracia é propício à leitura dos tratados de dor compostos pelo nosso semi-iletrado nobel da literatura. Não se passa mal o tempo no campo, não. As horas passam devagar, a um ritmo que, se não é morto, é sonolento. Abre-se a boca de dez em dez minutos para soltar uma asneira. Dá-se muito à garganta para arrotar. Reconheça-se, porém, que a aldeia possui grandes desvantagens para um aspirante a intelectual. Onde estão as bibliotecas? Os museus? Os teatros? Torres Vedras, pois. O que existe é do Estado e o que é do Estado não trabalha ao Sábado. Quanto a trabalhos caseiros, bem, não se consegue ler muito bem quando a SIC está ligada em quatro televisões durante todo o santo dia. Ele é telenovelas, ele é programas que não se sabe bem o que representam. Uma tragédia. Mas cá se anda, cá se anda.

A aldeia tem um grave problema. A melancolia. Isso nunca passa. As lembranças ficam sempre dentro da cabeça a remexer, a dar pancadas. Querem tornar-se realidade. A memória não larga o homem que quer descansar e, por esse motivo, faz doer, aleija. Um gajo põe-se a dizer que tem uma ferida no peito e o pior é que ninguém percebe, dado que a zona alberga pessoal de trabalho. As mariquices são para a cidade. Há a vinha e há o patrão, tudo o que esteja para além do honesto neo-realista, não conta. Certas emoções, por exemplo, não são mencionadas no meio da aldeia. Ninguém diz: eu amo-te. Se disser, casa-se.